Hoje gostaria de falar sobre a ajuda que a África recebe de países ricos e filantrópicos, com intuito de tentar reduzir a miséria nessa região. Para muitos analistas, isso não é o melhor caminho, segundo eles, a ajuda internacional alimenta a corrupção e impede que a economia se desenvolva. Na minha ignorância sempre acreditei que para reduzir a miséria na África os países mais ricos deveriam fazer grandes doações. Se você também acreditava nisso esse post ira te ajudar muito.
De acordo com a reportagem do site Planeta Sustentável, a motivação dos países do G8 (cúpula que reúne os 8 países mais ricos do mundo) em fortalecer a ajuda aos ao desenvolvimento do continente africano, se deve ao avanços percebidos na África até o ano de 2008. Em alguns casos a ajuda internacional teve um papel importante, mas de acordo com opositores a essa ideia de auxilio eterno, o dinheiro de fora produz mais efeitos negativos do que positivos. Segundo a economista Dambisa Moyo, entre 1970 e 1998, quando os fluxos de capital para a África estavam em seu pico, a pobreza saltou de 11% para 66% da população. “Isso é cerca de 600 milhões do 1 bilhão de africanos sendo lançados à miséria”, escreveu ela em seu livro.
As causas para isso tudo? Simples. Um dos principais problemas que afetam o efeito positivo é como sempre o fruto da soberba e egoísmo humano, a famosa corrupção. Uma parte do dinheiro doado é desviada por meios como o superfaturamento de contratos de obras públicas e uma folha de pagamentos do governo inflada. Estima-se que, dos 525 bilhões de dólares que o Banco Mundial emprestou para países em desenvolvimento desde 1946, pelo menos 25% simplesmente se perderam na ilegalidade.
Daniel Kaufmann especialista no estudo de corrupção, da americana Brookings Institution, afirma que há dezenas de bilhões de dólares de transações corruptas na África África Subsaariana por ano. Em Uganda, a estimativa é que, na década de 90, o governo tenha desviado 80% das doações que afirmava ter investido em melhorias de educação.
Mas esse não é o único problema. Se não for feita de uma forma correta a filantropia pode causar dependência e desestimulo ao empreendedorismo. Um exemplo disso são as toneladas de doações de roupas para os países da África. O baixo custo das peças de segunda mão importados para a África fazem com que indústrias têxteis locais fechem incapazes de competir com o preço. É um efeito dominó, as empresas fecham, ocorre uma quebra de mercado, logo se tem uma alta quantia de funcionários desempregados e o desemprego gera a pobreza.
Outro ponto negativo são as ajudas vinculadas. Pra quem não sabe funciona da seguinte forma: O país X doa uma quantia, mas exige que uma parte da doação seja gastada em seu próprio território. É claro que dessa forma quem recebe a doação fica preso à compra dos produtos do país X, independente do preço que os fornecedores pedirem, tornando a operação cara e ineficiente.
“A recomendação é que toda ajuda seja não vinculada, porque ela dá mais valor ao dinheiro e é mais efetiva”, diz Andrew Rogerson, da OCDE.
De qualquer forma a África, num futuro ideal não deve sobreviver de doações. Mesmo que por enquanto a doação obtenha alguns bons resultados, é provável que o país só tenha um futuro sem pobreza e desigualdade social quando aprender a se mover sozinho.
A seguir deixarei a conversa do especialista em economia James Shikwati, do Quênia, com a DER SPIEGEL a respeito desses assuntos.
DER SPIEGEL - Senhor Shikwati, a cúpula do G8 em Gleneagles deverá aumentar a ajuda ao desenvolvimento da África...
James Shikwati - Pelo amor de Deus, parem com isso!
DS - Parar? Os países industrializados do Ocidente querem eliminar a fome e a pobreza.
Shikwati - Essas intenções estão prejudicando nosso continente nos últimos 40 anos. Se os países industrializados realmente querem ajudar os africanos, deveriam finalmente cancelar essa terrível ajuda. Os países que receberam mais ajuda ao desenvolvimento também são os que estão em pior situação. Apesar dos bilhões que foram despejados na África, o continente continua pobre.
DS - O senhor tem uma explicação para esse paradoxo?
Shikwati - Burocracias enormes são financiadas (com o dinheiro da ajuda), a corrupção e a complacência são promovidas, os africanos aprendem a ser mendigos, e não independentes. Além disso, a ajuda ao desenvolvimento enfraquece os mercados locais em toda parte e mina o espírito empreendedor de que tanto precisamos. Por mais absurdo que possa parecer, a ajuda ao desenvolvimento é uma das causas dos problemas da África. Se o Ocidente cancelasse esses pagamentos, os africanos comuns nem sequer perceberiam. Somente os funcionários públicos seriam duramente atingidos. E é por isso que eles afirmam que o mundo pararia de girar sem essa ajuda ao desenvolvimento.
DS - Mesmo em um país como o Quênia pessoas morrem de fome todos os anos. Alguém precisa ajudá-las.
Shikwati - Mas são os próprios quenianos quem deveria ajudar essas pessoas. Quando há uma seca em uma região do Quênia, nossos políticos corruptos imediatamente pedem mais ajuda. O pedido chega ao Programa Mundial de Alimentação da ONU --que é uma agência maciça de "apparatchiks" que estão na situação absurda de, por um lado, dedicar-se à luta contra a fome, e por outro enfrentar o desemprego onde a fome é eliminada. É muito natural que eles aceitem de bom grado o pedido de mais ajuda. E não é raro que peçam um pouco mais de dinheiro do que o governo africano solicitou originalmente. Então eles enviam esse pedido a seu quartel-general, e em pouco tempo milhares de toneladas de milho são embarcadas para a África...
DS - Milho que vem predominantemente de agricultores europeus e americanos altamente subsidiados...
Shikwati - ... e em algum momento esse milho acaba no porto de Mombasa. Uma parte do milho em geral vai diretamente para as mãos de políticos inescrupulosos, que então o distribuem em sua própria tribo para ajudar sua próxima campanha eleitoral. Outra parte da carga termina no mercado negro, onde o milho é vendido a preços extremamente baixos. Os agricultores locais também podem guardar seus arados; ninguém consegue concorrer com o programa de alimentação da ONU. E como os agricultores cedem diante dessa pressão o Quênia não terá reservas a que recorrer se houver uma fome no próximo ano. É um ciclo simples mas fatal.
DS - Se o Programa Mundial de Alimentação não fizesse nada, as pessoas morreriam de fome.
Shikwati - Eu não acredito nisso. Nesse caso, os quenianos, para variar, seriam obrigados a iniciar relações comerciais com Uganda ou Tanzânia, e comprar alimento deles. Esse tipo de comércio é vital para a África. Ele nos obrigaria a melhorar nossa infra-estrutura, enquanto tornaria mais permeáveis as fronteiras nacionais --traçadas pelos europeus, aliás. Também nos obrigaria a estabelecer leis favorecendo a economia de mercado.
DS - A África seria realmente capaz de solucionar esses problemas por conta própria?
Shikwati - É claro. A fome não deveria ser um problema na maioria dos países ao sul do Saara. Além disso, existem vastos recursos naturais: petróleo, ouro, diamantes. A África é sempre retratada como um continente de sofrimento, mas a maior parte dos números é enormemente exagerada. Nos países industrializados existe a sensação de que a África naufragaria sem a ajuda ao desenvolvimento. Mas, acredite-me, a África já existia antes de vocês europeus aparecerem. E não fizemos tudo isso com pobreza.
DS - Mas naquela época não existia a Aids.
Shikwati - Se acreditássemos em todos os relatórios horripilantes, todos os quenianos deveriam estar mortos hoje. Mas agora os testes estão sendo realizados em toda parte, e acontece que os números foram enormemente exagerados. Não são 3 milhões de quenianos que estão infectados. De repente eram apenas cerca de um milhão. A malária é um problema equivalente, mas as pessoas raramente falam disso.
DS - E por quê?
Shikwati - A Aids é um grande negócio, talvez o maior negócio da África. Não há nada capaz de gerar tanto dinheiro de ajuda quanto números chocantes sobre a Aids. A Aids é uma doença política aqui, e deveríamos ser muito céticos.
DS - Os americanos e europeus têm fundos congelados já prometidos para o Quênia. O país é corrupto demais, segundo eles.
Shikwati - Temo, porém, que esse dinheiro ainda será transferido em breve. Afinal, ele tem de ir para algum lugar. Infelizmente, a necessidade devastadora dos europeus de fazer o bem não pode mais ser contida pela razão. Não faz qualquer sentido que logo depois da eleição do novo governo queniano --uma mudança de liderança que pôs fim à ditadura de Daniel Arap Mois--, de repente as torneiras se abriram e o dinheiro verteu para o país.
DS - Mas essa ajuda geralmente se destina a objetivos específicos.
Shikwati - Isso não muda nada. Milhões de dólares destinados ao combate à Aids ainda estão guardados em contas bancárias no Quênia e não foram gastos. Nossos políticos ficaram repletos de dinheiro, e tentam desviar o máximo possível. O falecido tirano da República Centro Africana, Jean Bedel Bokassa, resumiu cinicamente tudo isso dizendo: "O governo francês paga por tudo em nosso país. Nós pedimos dinheiro aos franceses, o recebemos e então o gastamos".
DS - No Ocidente há muitos cidadãos compassivos que querem ajudar a África. Todo ano eles doam dinheiro e mandam roupas usadas em sacolas...
Shikwati - ... e então inundam nossos mercados com essas coisas. Nós podemos comprar barato essas roupas doadas nos chamados mercados Mitumba. Há alemães que gastam alguns dólares para comprar agasalhos usados do Bayern Munich ou do Werder Bremen. Em outras palavras, roupas que algum garoto alemão mandou para a África por uma boa causa. Depois de comprar esses agasalhos, eles os leiloam na eBay e os mandam de volta à Alemanha -- pelo triplo do preço. Isso é loucura!
DS - ... e esperamos que seja uma exceção.
Shikwati - Por que recebemos essas montanhas de roupas? Ninguém passa frio aqui. Em vez disso, nossos costureiros perdem seu ganha-pão. Eles estão na mesma situação que nossos agricultores. Ninguém no mundo de baixos salários da África pode ser eficiente o bastante para acompanhar o ritmo de produtos doados. Em 1997 havia 137 mil trabalhadores empregados na indústria têxtil da Nigéria. Em 2003 o número tinha caído para 57 mil. Os resultados são iguais em todas as outras regiões onde o excesso de ajuda e os frágeis mercados africanos entram em colisão.
DS - Depois da Segunda Guerra Mundial a Alemanha só conseguiu se reerguer porque os americanos despejaram dinheiro no país através do Plano Marshall. Isso não se qualificaria como uma ajuda ao desenvolvimento bem-sucedida?
Shikwati - No caso da Alemanha, somente a infra-estrutura destruída tinha de ser reparada. Apesar da crise econômica da República de Weimar, a Alemanha era um país altamente industrializado antes da guerra. Os prejuízos criados pelo tsunami na Tailândia também podem ser consertados com um pouco de dinheiro e alguma ajuda à reconstrução. A África, porém, precisa dar os primeiros passos na modernidade por conta própria. Deve haver uma mudança de mentalidade. Temos de parar de nos considerar mendigos. Hoje em dia os africanos só se vêem como vítimas. Por outro lado, ninguém pode realmente imaginar um africano como um homem de negócios. Para mudar a situação atual, seria útil se as organizações de ajuda saíssem.
DS - Se fizessem isso, muitos empregos seriam perdidos imediatamente.
Shikwati - Empregos que foram criados artificialmente, para começar, e que distorcem a realidade. Os empregos nas organizações estrangeiras de ajuda são muito apreciados, é claro, e elas podem ser muito seletivas na escolha das melhores pessoas. Quando uma organização de ajuda precisa de um motorista, dezenas de pessoas se candidatam. E como é inaceitável que o motorista só fale sua língua tribal, o candidato também deve falar inglês fluentemente --e, de preferência, ter boas maneiras. Então você acaba com um bioquímico africano dirigindo o carro de um funcionário da ajuda, distribuindo comida européia e forçando os agricultores locais a deixar seu trabalho. É simplesmente loucura!
DS - O governo alemão se orgulha exatamente de monitorar os receptores de suas verbas.
Shikwati - E qual é o resultado? Um desastre. O governo alemão jogou dinheiro diretamente para o presidente de Ruanda, Paul Kagame, um homem que tem na consciência a morte de um milhão de pessoas --que seu exército matou no país vizinho, o Congo.
DS - O que os alemães deveriam fazer?
Shikwati - Se eles realmente querem combater a pobreza, deveriam parar totalmente a ajuda ao desenvolvimento e dar à África a oportunidade de garantir sua sobrevivência. Atualmente a África é como uma criança que chora imediatamente para que a babá venha quando há algo errado. A África deveria se erguer sobre os próprios pés.
Fontes:
http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/derspiegel/2005/07/06/ult2682u38.jhtmhttp://planetasustentavel.abril.com.br/noticia/desenvolvimento/filantropia-ajuda-africa-doacao-onu-520647.shtml?func=1&pag=0&fnt=9pt